O ‘roubo do século’ que só foi descoberto devido a uma reclamação por lixo num terreno na Bélgica

O caso, que se tornaria conhecido como o “roubo do século”, permaneceu sem suspeitos até que um detalhe aparentemente trivial ajudou a desvendar o mistério: uma reclamação sobre lixo despejado num terreno.

Pedro Gonçalves
Agosto 18, 2024
19:30

Em 2003, a cidade de Antuérpia, na Bélgica, foi palco de um dos roubos mais audaciosos da história recente, quando uma caixa-forte altamente segura foi saqueada, resultando num prejuízo estimado em 100 milhões de dólares em diamantes e joias. O caso, que se tornaria conhecido como o “roubo do século”, permaneceu sem suspeitos até que um detalhe aparentemente trivial ajudou a desvendar o mistério: uma reclamação sobre lixo despejado num terreno.

Antuérpia, localizada no norte da Bélgica, é amplamente reconhecida como a capital mundial dos diamantes. Cerca de 80% dos diamantes brutos do mundo passam pela cidade para serem comercializados ou lapidados. Este comércio gera anualmente mais de 50 mil milhões de dólares, concentrando-se principalmente num único quarteirão no centro da cidade, conhecido como o “Distrito dos Diamantes”. Esta área é rigorosamente vigiada, com mais de 60 câmaras de segurança a monitorizar as suas três ruas.

No coração deste distrito, encontra-se o Centro de Diamantes (Diamond Center), um bloco de escritórios aparentemente monótono, mas cujo subsolo abriga uma caixa-forte de alta segurança, protegida por uma porta com 30 centímetros de espessura, chave de segurança e um complexo sistema de alarmes.

Na manhã de 17 de fevereiro de 2003, uma segunda-feira, a polícia foi chamada ao Centro de Diamantes, onde encontrou mais de cem dos 189 cofres individuais da caixa-forte abertos e saqueados. A cena era caótica: diamantes, moedas de ouro e joias estavam espalhados pelo chão, e algumas ferramentas, sem impressões digitais, foram deixadas para trás pelos ladrões. Surpreendentemente, os assaltantes conseguiram desativar todos os sistemas de segurança e levaram consigo as fitas de vídeo das 24 câmaras que vigiavam tanto o edifício quanto a própria caixa-forte.

Sem pistas concretas, a polícia belga, liderada pelo investigador Patrick Peys, ficou sem rumo até que, alguns dias depois, recebeu uma chamada inesperada.

A Reclamação que Mudou Tudo

A ligação veio de August Van Camp, um merceeiro reformado que costumava passear com as suas doninhas num terreno que possuía perto de uma autoestrada. Van Camp já havia reclamado várias vezes do lixo que era atirado para o seu terreno por viajantes, mas naquele dia de fevereiro, o lixo chamou-lhe a atenção de forma diferente. Desconfiado, ele ligou para a polícia, que prontamente recolheu os sacos de lixo.

Entre os detritos, a polícia encontrou documentos rasgados, títulos, pedaços de dinheiro, envelopes com o logotipo do Centro de Diamantes de Antuérpia e pequenos diamantes verdes. O conteúdo do lixo apontou para Leonardo Notarbartolo, um comerciante de diamantes italiano com escritório no Centro de Diamantes e um cofre na caixa-forte, que, como a polícia italiana revelou, possuía um extenso cadastro criminal.

Notarbartolo foi rapidamente detido, mas recusou-se a colaborar com a polícia. Descrito por Peys como um “cavalheiro distinto e muito educado”, Notarbartolo optou pelo silêncio, frustrando os esforços das autoridades belgas e italianas que o interrogaram. Contudo, as provas encontradas no lixo, incluindo um recibo de uma mercearia italiana no Distrito dos Diamantes, levaram a polícia a identificar outro envolvido: Ferdinando Finotto, também ele com um historial criminal.

As investigações revelaram que os cinco autores do crime faziam parte de um gangue italiano conhecida como a “Escola de Turim”. Cada membro possuía uma especialidade, tendo os seus nomes de código inspirado em personagens de banda desenhada: o Génio, o Monstro, Ligeirinho e o Rei das Chaves. O Génio, Elio D’Onorio, era o especialista em eletrónica e alarmes; o Monstro, Ferdinando Finotto, era perito em abrir fechaduras; e Ligeirinho, Pietro Tavano, amigo de infância de Notarbartolo, foi o responsável por atirar os sacos de lixo no terreno ao lado da autoestrada, o que viria a ser um erro crucial para o desfecho do caso.

O Modo Operandi

O esquema engenhoso montado pelo gangue envolveu a colocação de uma câmara de vídeo acima da entrada da caixa-forte, que gravava os guardas a inserir o código de segurança. Esta câmara transmitia as imagens para um receptor escondido num extintor de incêndio. O Rei das Chaves, cujo nome real nunca foi descoberto, conseguiu replicar a chave de 30 centímetros necessária para abrir a porta da caixa-forte a partir das gravações.

Para evitar que os alarmes fossem disparados, o Génio usou uma placa de alumínio para manipular as travas magnéticas da porta, enquanto Notarbartolo borrifou spray de cabelo nos sensores térmicos de movimento, temporariamente desativando-os. Acredita-se que o gangue tenha construído uma réplica do interior da caixa-forte para praticar o roubo – à semelhança da famosa série ‘A Casa de Papel’.

Com as provas recolhidas, os quatro membros conhecidos da gangue foram a julgamento em maio de 2005. Ferdinando Finotto, Elio D’Onore e Pietro Tavano foram condenados a cinco anos de prisão, enquanto Leonardo Notarbartolo, apontado como o cérebro da operação, foi condenado a 10 anos. As joias e os diamantes roubados nunca foram recuperados.

Notarbartolo foi libertado condicionalmente em 2009, mas foi recapturado após violar os termos da sua libertação ao viajar para a Califórnia para discutir um contrato de filme sobre o roubo com um produtor de Hollywood. Acabou por cumprir o restante da sua pena.

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